De sábado para domingo havia 40 mil visitantes em Alto Paraíso. Moças e rapazes, sons dos carros nas nuvens, noite inteira acordada. Eles ficavam rondando avenida principal, compondo o congestionamento proposital. Cidade sem lugar para todos. Mais parecia um acampamento de Woodstock. Todo mundo se liberando. Semana inteira foi assim. Coincidiu este ano carnaval, aniversário da cidade e a Festa do Jerico. Tripla alegria, portanto. Em si a festa do Jerico acontece no último dia, domingo. Uma pista arredondada, serpenteante em si mesma, altos e baixos, poças de lama pura, muita água, lisa. Tudo poderia resumir-se nela. Os dias da semana enchem-se de atividades tribalística, por si mesmas arrumadas. Uma festa solda, descabrestada. Livre. Como de resto é a maior parte de nossas vidas. O imprevisível destino das coisas.
Jerico aqui não é jegue. Inicialmente pensei que fosse. A festa nasceu como nasce um pinto. Foi bicando a casca e depois saiu. Nasceu a festa. Iniciativa de dois ou três mecânicos da cidade que tiravam quando em vez um tempinho para um “pega” de jericos. Um equipamento móvel motorizado, composto de peças usadas, quase sempre. Motor estacionário comum, de uso agrícola ou caseiro. Eixos, rodas, chassis, lataria juntados a gosto. Maioria não tem gabinete. Nem vidros. Nem retrovisores. Rodam nas ruas e estradas. Mesmo parecendo um carro ele tem uma consideração especial da Polícia. Ninguém o impede de trafegar. Mesmo sem placas, registros, seguros, segurança. Ele nasceu sem nenhum pecado original. E roda livre no Paraíso. Tem serventia pra tudo. Puxar lasca na roça, milho, material de construção, madeira em tora, ambulância, transporte coletivo. O jerico é um “Bombril”.
Na hora da corrida o povo vai chegando e enchendo as arquibancadas. Um dia mormaçado, sol aparentemente oculto, que de propósito queima a pele. Uma arena romana barulhenta, mais para rir do que para se aplaudir. Só por sorte sai um ganhador. Ano a ano a festa vai se compondo. Próximo ao jericódromo tem o igarapé farto de águas verdes. Jovens soltos mergulham, casais embalados pela euforia do amor abraçam-se. Tem a plataforma coberta para as autoridades, que se chocam em sorrisos universais diante do povo indiferente que aplaude apenas o confronto das jerigonças motorizadas. Um baque no fundo de uma poça de lama, pilota atiçada no lamaçal. Ahhhhh! Corpo de Bombeiros com maca e colete cervical carrega-a para os primeiros socorros. O script da festa é composto pelo povo. Mais pelo forasteiro.
Se é boa ou não para a cidade, pouco interessa. Não dá para levar em consideração vantagens financeira. A festa por si só basta. Porque festa é festa. A alegria é o lucro real.
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